WhatsApp e Pirataria

 

 

Whatsapp e Pirataria

O primeiro passo é entender o que é o WhatsApp e o que não é.

Do ponto de vista de tecnológico, chegamos ao WhatsApp a partir de evolução de meios de comunicação à distância e, nesse sentido, podemos pensá-lo como sendo tataraneto do telégrafo, que permitia que mensagens cifradas em código, no caso o código morse, fossem enviadas do ponto A para ao ponto B por meio de fios de cobre inicialmente e ondas eletromagnéticas depois. As tecnologias evoluíram e passamos ao telex e ao telefone. O primeiro transmitia um código alfanumérico e, o segundo, a própria voz humana.

O surgimento da internet no meio acadêmico ocorreu lá pelos anos de 1970 como meio de troca de mensagens e, em especial, de ideias entre os cientistas e os estudantes espalhados pelas diversas universidades e centros de pesquisa do mundo. O recurso básico era o correio eletrônico (email), que mais tarde ganhou um meio de troca de mensagens “on-line”, o “talk”. Assim um pesquisador brasileiro, já lá nos anos 1980, podia conversar com o colega inglês, por exemplo, enviando e recebendo mensagens instantaneamente.

O primeiro voo da internet nos meios comercias como conhecemos hoje ocorreu no início (no Brasil em meados) dos anos 1990 com a chegada dos navegadores que, através de uma interface amigável, permitiam a transmissão de mensagens multimídia contendo textos, imagens, sons e vídeos. Programas (hoje chamados aplicativos) para troca de mensagens também estavam disponíveis e vivia-se a febre do ICQ, com seu som característico “o-ohhh” quando recebia a mensagem.  A evolução prosseguiu e, já no século XXI, surge o Skype, que permite a troca de mensagens e, posteriormente, de conversas de voz e videoconferência.

A tecnologia não para e chegamos à era dos smartphones, na qual mais e mais aplicativos são migrados, como o caso do Skype, e outros surgem nativamente nessa nova plataforma como o Viber e o WhatsApp!

À parte desse mundo, as concessionárias e, atualmente, as operadoras de telecomunicações realizaram pesados investimentos para criar uma infraestrutura que inicialmente suportou as chamadas telefônicas e posteriormente os serviços de acesso à internet, o que permitiu que se tornassem um dos negócios mais rentáveis em que se poderia investir do final dos anos 1990 até recentemente.

A base legal que, no Brasil, criou segurança jurídica para que as operadoras realizassem os investimentos nessa infraestrutura foi a LGT (Lei Geral de Telecomunicações – L 9.472/97) que define o que é serviço de telecomunicações em seu art. 60:

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. (grifo nosso)

Por certo, a transmissão, emissão ou recepção do §1º do art. 60 da LGT deve ser interpretado à luz das definições técnicas de camadas do modelo OSI de telecomunicações:

CAMADA FUNÇÃO
APLICAÇÃO Funções específicas (email, navegador, transferência de arquivos, etc)
APRESENTAÇÃO Formatação de dados e conversão de caracteres e códigos
SESSÃO Negociação e estabelecimento de conexão com outro nó
TRANSPORTE Meios e métodos para entrega de dados ponta-a-ponta
REDE Roteamento de pacotes através de uma ou várias redes
ENLACE Detecção e correção de erros introduzidos pelo meio de transmissão
FÍSICA Transmissão de “bits” através do meio físico

Tabela 1 – Sete camadas de protocolo de comunicação do modelo OSI

Nesse modelo temos os níveis mais inferiores como o meio de transmissão, emissão ou recepção formado pelas camadas: física, enlace, rede, transporte e sessão; aliás, o TCP, que é o acrônimo para “Transmission Control Protocol”,  e o IP, que é o “Internet Protocol”, são associados às camadas de transporte e sessão desse modelo. Já as camadas de apresentação e aplicação podemos pensar como sendo o navegador e o serviço (aplicação) fornecidos, como o tocador de música ou o Facebook.

Complementa a LGT, em seu artigo 61, o que é o serviço de valor adicionado:

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.(grifo nosso)

O provedor de internet é entendido como um serviço de valor adicionado e, portanto, um cliente do serviço de telecomunicações. Nesse aspecto a LGT é clara e direta ao distingui-la e explicitá-la como não se constituindo em serviço de telecomunicações.

Por outro lado, o que pode ser entendido como “pirataria” por uma operadora de telecomunicações outra coisa senão a conduta expressa no artigo 183 da LGT:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime. (grifo nosso)

Ou seja, desenvolver as atividades descritas no §1º do art. 60 da LGT, qual sejam transmissão, emissão ou recepção por “qualquer meio” excetuando-se de plano o serviço de valor adicionado conforme §1º art. 61 da LGT.

Repare que prover serviço de acesso à internet já é um serviço de valor adicionado, portanto sujeito à regulamentação específica e excluído do serviço de telecomunicações. Com esse raciocínio, todos os serviços providos a partir do serviço de acesso à internet estão tecnicamente em camada OSI de “apresentação” ou “aplicação” e juridicamente prestados por serviço de valor adicionado, que não é um serviço de telecomunicações.

Portanto, para se praticar a “pirataria” de telecomunicações, é condição necessária prestar serviço de telecomunicações. O WhatsApp, ou qualquer outro aplicativo que se vale da internet, é provido por meio de um serviço de valor adicionado de telecomunicações e não pode ser entendido como serviço de telecomunicações pela própria definição do texto legal (LGT). Desta forma, o WhatsApp ou qualquer outro aplicativo da internet, está logicamente excluído de promover pirataria de telecomunicações!

Sob o ponto de vista de negócio, compreende-se a posição das operadoras de telecomunicações uma vez que a infraestrutura disponibilizada deve ser adequadamente remunerada para que haja meios de manutenção e ampliação de forma que ela cumpra adequadamente seu papel, contudo técnica e juridicamente a posição não se sustenta. A solução para a questão não passa pelo judiciário, mas sim pela revisão do modelo de negócio e quiçá adequações regulatórias para garantir investimentos/retornos sustentáveis para o setor.

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